Capítulo XLVI
Falsas Teorias a Respeito da Sua
Morte
Embora a Bíblia ensine claramente que o sacrifício de Cristo foi o
pagamento da pena do pecado, uma substituição pelos pecadores e o cumprimento
das santas exigências de Deus, os teólogos têm inventado muitas teorias falsas
a respeito do propósito da morte de Cristo. Algumas delas contêm elementos de
verdade, mas elas falham em reconhecer que Sua morte foi primariamente um
sacrifício e substituição pelos pecadores.
I. Teoria do Acidente
Os racionalistas extremos afirmam que a morte de Cristo foi um
acidente. Eles declaram que a crucificação não estava nos planos de Deus para
Seu Filho; foi um imprevisto na vida de Jesus. Eles ensinam que a situação saiu
do controle e que Jesus foi preso e crucificado antes que Deus e Jesus
soubessem o que estava acontecendo. Eles dizem que Deus fez o melhor possível
numa situação lamentável e usou este trágico acidente no Seu plano de salvação depois
de refletir a respeito. A Bíblia, entretanto, declara que a morte de Cristo era
conhecida por Deus desde o princípio. Ele é o Cordeiro “que foi morto desde a
fundação do mundo”. A Sua morte cumpriu as profecias do Antigo Testamento e
Suas próprias previsões. Não foi um acidente; isso foi parte de um plano
glorioso.
II. Teoria Militar
A Teoria Militar, conhecida também como a Teoria do Resgate Pago a
Satanás, foi defendida por Justino Mártir, Irineu de Lyon, Orígenes, Gregório
de Níssa, Teodoreto, Basílio, Cirilo de Jerusalém, Jerônimo, Hilário, Leão o
Grande, Pedro Lombardo e outros. De acordo com essa teoria, Satanás, como um grande
guerreiro, conquistou a raça humana e fez todos os homens seus escravos. A
morte de Cristo, ensinam eles, foi um resgate com o qual Deus ou Cristo pagou a
Satanás para que os pecadores fossem libertos da jurisdição de Satanás. Eles
afirmam que Satanás aceitou Jesus em troca da raça humana. Deus, afirmam eles, enganou
a Satanás, ressuscitando Jesus dentre os mortos. De acordo com uma variante dessa
teoria, o poder de Satanás sobre os pecadores estava fundamentado na pecaminosidade
do homem. Quando Satanás provocou a morte do imaculado Filho de Deus, ele
excedeu sua autoridade e perdeu por completo o seu poder sobre o homem. Adeptos
dessa teoria ensinam que Satanás foi enganado pensando que Jesus era
simplesmente um homem, quando na verdade era o Filho de Deus. Pedro Lombardo
ensinou: “O que fez o Remidor ao nosso captor? Ele lhe ofereceu sua cruz como
uma ratoeira; e nela Ele colocou seu sangue, como uma isca” (Strong. Op. cit.,
pág. 747). Alguns ensinam que Jesus, em Sua natureza humana, dominou Satanás e
assim adquiriu o direito de libertar os escravos de Satanás e destruí-lo. A
Teoria Militar foi substituída pela Teoria Comercial de Anselmo (1033-1109).
III. Teoria do Mártir
Alguns homens acreditam que a morte de Cristo foi a de um mártir.
Eles ensinam que Ele foi simplesmente um exemplo para o homem seguir. Os
adeptos dessa teoria, conhecida também como Teoria do Exemplo, declaram que o
homem é capaz de salvar a si mesmo desde que tenha um bom motivo e um exemplo apropriado
para seguir. Tudo o que precisa ser mudado, afirmam eles, é a atitude do homem.
Eles afirmam que a pecaminosidade subjetiva do homem é a única barreira entre o
homem e Deus, e que não há nada na natureza de Deus que reclame o pagamento da
penalidade pelo pecado. De acordo com eles, a morte de Cristo não satisfez ou apaziguou
a santidade de Deus; os resultados de Sua morte foram inteiramente na esfera
humana. Eles ensinam que o martírio de Cristo salva o homem mostrando a ele o
caminho da fé, da obediência e da vida eterna através da definição de um
exemplo de verdadeira obediência e inspirando o homem a imitar Sua fidelidade.
A Teoria do Exemplo ou do Mártir é baseada sobre a doutrina
Pelagiana do pecado. Ela foi defendida na Polônia do século 16 por Lélio Socino
e seu sobrinho Fausto Socino. Sua Teologia é expressa pelo Catecismo Racoviano
(1605). Os Socinianos estavam certos em rejeitar a trindade, mas estavam
errados na visão de Jesus como um mero homem e em sua teorias do pecado, da
expiação e da justificação. Os defensores modernos da Teoria do Exemplo são os
Unitarianos e grupos similares.
Essa teoria é falsa. O homem necessita mais do que um exemplo; ele
necessita de um Substituto e um Sacrifício. Essa teoria falha em reconhecer que
a santidade de Deus demanda que a penalidade do pecado deve ser paga se o
ofensor vai sair livre. Essa teoria é centrada no homem; ela não glorifica a
Deus.
Além disso, conquanto seja perfeitamente
verdadeiro que Cristo está representado como um exemplo na escritura, em nenhum
lugar Ele é representado como um exemplo diante do qual os pecadores descrentes
devem ter como padrão, e pelo qual se salvarão se imitarem; e sim, esse é o
pressuposto necessário da teoria em consideração. O exemplo de Cristo é tal que
somente Seu povo pode seguir, e mesmo eles mal podem chegar perto. Ele é nosso
Redentor antes de ser o nosso exemplo. (Berkhof. Op. cit., 388).
A influência do exemplo de Cristo nem é
declarada na Escritura, nem é encontrada na experiência cristã, para ser o
principal resultado obtido por Sua morte. Um mero exemplo nada mais é que a
nova pregação da lei, a qual repele e condena. A cruz tem poder de liderar os
homens à santidade, somente se antes mostrar a reparação feita por seus pecados.
Consequentemente, a maioria das passagens que representam a Cristo como exemplo
também contém referências a Sua obra propiciatória (Strong. Op. cit., pág. 732).
IV. Teoria da Influência Moral
Uma outra explicação inadequada para a morte de Cristo é a Teoria
da Influência Moral. Algumas vezes chamada de Teoria do Amor de Deus, essa
interpretação da morte de Cristo possui muitos pontos em comum com a Teoria do
Exemplo ou do Mártir. Essa teoria ignora a santidade de Deus, a culpa pelo
pecado e o sacrifício vicário de Cristo. Os homens que sustentam essa teoria
insistem que nada há na natureza de Deus que demande que a pena pelo pecado deva
ser paga. Eles negam que Cristo morreu como Substituto pelos pecadores. Eles
afirmam que Cristo sofreu com os
pecadores ao invés de em lugar dos
pecadores. Eles creem que o único propósito da morte de Cristo foi manifestar o
amor de Deus pelos pecadores, apelar para a emoção do homem e mover seu coração
ao arrependimento.
Horace Bushnell (1802-1876), um americano congregacionalista,
defendeu essa teoria em seu livro The
Vicarious Sacrifice. Essa visão é chamada algumas vezes de Teoria
Bushnelliana. Outros defensores incluem Abelardo (1079-1142); F. E. D.
Schleiermacher (1768-1834) e Albrecht Ritschl (1822-1889) da Alemanha; e John
M. Campbell (1800-1872) e F. W. Robertson (1816-1853) da Inglaterra. Teólogos
liberais e modernistas defendem hoje essa teoria.
A Teoria da Influência Moral contém certos elementos de verdade, a
saber, que a morte de Cristo é uma manifestação do amor de Deus e que isso
provê um motivo para o arrependimento. É inadequada, entretanto, ao enfatizar o
amor de Deus à custa de Sua santidade. Defensores dessa teoria mostram um
resultado secundário da morte de Cristo como o único propósito da expiação.
Eles negam que Ele tenha morrido como Substituto pelo pecador.
Para esta teoria nós respondemos que, embora
a morte de Cristo seja uma expressão do amor de Deus (João 3:16; Romanos 5:6-8),
os homens sabiam que Deus os amava antes da vinda de Cristo (Deuteronômio 7:7;
Isaías 38:17; Jeremias 31:3; Malaquias 3:6); que a simples agitação das emoções
não leva ao arrependimento, o que pode ser provado pelo efeito dessa comoção
num teatro; que a teoria contradiz as representações da Escritura de que Deus
deve ser aplacado antes que Ele possa perdoar (Hebreus 9:14; 2 17; Romanos
3:25,26; 1 João 2:2; 4:10); que o fundamento da morte de Cristo está no amor de
Deus mais do que em Sua santidade; e que nessa teoria é difícil explicar como
os crentes do Antigo Testamento foram salvos, visto que eles não tiveram esta
lição objetiva do amor de Deus. Nós não devemos reduzir a expiação a um jogo de
paixão, na qual o ator parece ser movido por motivos sinceros, quando na realidade
ele simplesmente trabalha com as emoções da sua audiência (Thiessen. Op. cit.,
pág. 317).
Embora não haja dúvida de que a verdade da
cruz de Cristo foi a suprema manifestação do amor de Deus, ela pode ser
considerada assim somente sob o ponto de vista da doutrina da expiação por substituição
penal, de acordo com a qual o sofrimento e a morte de Cristo foram
absolutamente necessários para a salvação dos pecadores. Mas de acordo com a
teoria da influência moral, eles serviram meramente ao propósito de causar uma
impressão no homem, o que Deus já havia feito de várias outras maneiras; e,
portanto, não era necessário. E se isso não era necessário, foi de fato uma
manifestação cruel do amor de Deus – uma contradição. O sofrimento e a morte de
Cristo foram uma manifestação do amor de Deus somente, se isto era o único meio
de salvar os pecadores (Berkhof. Op. cit., págs. 386,387)
V. Teoria Comercial
A Teoria Comercial foi formulada por Anselmo de Cantuária
(1033-1109) e foi apresentada em seu famoso livro Cur Deus Homo. Sua visão foi estabelecida como substituta da Teoria
Militar ou a Teoria do Resgate Pago a Satanás. De acordo com a teoria de Anselmo,
a morte de Cristo se deu para satisfazer a honra de Deus ou Sua majestade, a
qual foi violada pelo pecado. Devido a honra ou majestade de Deus ser infinita,
ele conclui, o pecado requer uma punição infinita. Ele ensinou que o perfeito
Filho de Deus, em vista da dignidade de Sua pessoa, suportou a infinita punição
pelos pecados dos eleitos, Sua punição foi um equivalente exato do sofrimento
merecido pelos pecadores. Anselmo apresentou sua teoria numa época em que o
maior pecado conhecido na lei era ofender a honra ou a majestade de um rei ou
papa. A Teoria Comercial está correta em reconhecer a morte de Cristo como uma
satisfação dada a Deus. Está errada em afirmar que o sacrifício de Cristo foi
uma satisfação à majestade e honra de Deus e não à Sua santidade.
VI. Teoria Governamental
A Teoria Governamental foi formulada por Hugo Grócio, um jurista e
teólogo alemão (1538-1645). Seu livro é chamado Defensio Fidei Catholicae de Satisfactione. Essa teoria, a explicação
Arminiana e Wesleyana da morte de Cristo, é exposta nos escritos de Richard
Watson e John Miley. De acordo com essa teoria, o governo do universo por Deus
requer que Ele mostre Sua ira contra o pecado. Aqueles que defendem esse ponto
de vista ensinam que Deus não pode perdoar os pecadores a menos que alguma
amostra seja dada revelando a alta consideração que Ele tem por Sua lei e Seu governo.
Eles dizem que Deus deu esse exemplo na morte de Seu Filho, na qual Ele revelou
a Sua ira contra o pecado. Desse modo, Deus é capaz de manter o controle de Seu
governo do universo enquanto Ele perdoa o pecado. Os defensores dessa teoria
declaram que Cristo não sofreu a pena da lei, mas Deus graciosamente aceitou Seu
sofrimento em substituição pela pena.
Essa teoria falha em revelar o verdadeiro propósito da morte de
Cristo. A morte de nosso Salvador foi requerida, não meramente por causa do
governo de Deus, mas por causa de Sua santidade. O pecado não é simplesmente
contra o governo de Deus, é contra o próprio Deus. Essa teoria faz da morte de
Cristo, não uma execução da lei, mas uma exibição do respeito de Deus pela lei.
A Bíblia ensina que a morte de Cristo foi a pena pelo pecado dos pecadores. Sua
morte não foi simplesmente substituta da pena; ela foi o pagamento da pena.
O verdadeiro propósito da morte de Cristo é que ela foi o
pagamento pela pena do pecado, uma substituição pelos pecadores e o cumprimento
dos requisitos da santa natureza de Deus. Somente o Seu sacrifício pode
satisfazer a consciência culpada do homem e inspirá-lo à humildade,
arrependimento e verdadeira justiça. Pela eternidade, Jesus será adorado como o
Cordeiro que foi imolado para prover a base da salvação para os pecadores. Deus
será revelado em Seu verdadeiro caráter de santidade e amor.
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