Capítulo LV
Fé
A fé é o
reconhecimento de realidades invisíveis. É a confiança no testemunho e
fidelidade de alguém. A fé é a resposta do homem ao atributo divino da verdade.
Alguém pode crer em Deus porque Ele é confiável; alguém pode ter fé porque Deus
é fiel; alguém pode contar com Deus porque Ele é fidedigno; alguém pode
acreditar em Deus porque Ele é verdade.
I. Crendo e Vendo
A fé não é dependente da visão física. Ela reconhece a existência
de realidades que não podem ser vistas. “Porque andamos por fé e não por vista”
(2 Coríntios 5:7). A fé é “a prova das coisas que se não veem” (Hebreus 11:1).
“Não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as
que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas” (2 Coríntios
4:18). Jesus disse: “Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não
viram e creram!” (João 20:29). “Ao qual, não o havendo visto, amais; no qual,
não o vendo agora, mas crendo, vos alegrais com gozo inefável e glorioso”
(1Pedro 1:8).
“É
melhor andar no escuro com Deus
Do que
andar sozinho na luz;
É
melhor andar com Ele pela fé
Do que
andar sozinho por vista.”
Autor
desconhecido
Embora a Bíblia coloque fé e vista em contraste, ela também usa a
visão como uma ilustração de fé. Um sinônimo bíblico para crendo é olhando. Os
homens dizem: “ver é crer”; e a Bíblia diz: “crer é ver”. Sobre Moisés está
escrito: “Pela fé, deixou o Egito, não temendo a ira do rei; porque ficou
firme, como vendo o invisível” (Hebreus 11:27). Crer em Deus é olhar firmemente
para Ele em amor. Deus disse: “Olhai para mim e sereis salvos, vós, todos os
termos da terra” (Isaías 45:22). Miquéias declarou: “Eu, porém, olharei para o
Senhor” (Miquéias 7:7 RA). Isaías escreveu: “Tu conservarás em paz aquele cuja
mente está firme em ti; porque ele confia em ti” (Isaías 26:3). A fé é o
constante contemplar do coração de Deus em amor.
A serpente de metal no deserto (Números 21:5-9) é uma figura de
Cristo na cruz. “E, como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa
que o Filho do Homem seja levantado; para que todo aquele que nele crê não
pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3:14,15). As serpentes representam
pecado e morte. O poste tipifica a cruz. A serpente de metal figura Cristo que
carregou nossos pecados. Olhar para a serpente de metal tipificava o pecador
olhando em fé para o Cordeiro de Deus crucificado. Crer é ver.
O escritor de Hebreus desafia os crentes a olharem para Jesus para
ter fé n’Ele: “Portanto nós também, pois que estamos rodeados de uma tão grande
nuvem de testemunhas, deixemos todo embaraço, e o pecado que tão de perto nos
rodeia, e corramos com paciência a carreira que nos está proposta, olhando para
Jesus, autor e consumador da fé, o qual pelo gozo que lhe estava proposto
suportou a cruz, desprezando a afronta, e assentou-se à destra do trono de
Deus” (Hebreus 12:1,2). Olhando para Jesus é crer n’Ele.
Crer em Cristo não é um simples vislumbre ou uma simples percepção
intelectual dos fatos sobre Ele. Crer n’Ele envolve fixar a mente em Cristo de
forma intencional e definitiva. Em fotografia, os raios de luz conduzem as
delimitações do objeto que está sendo fotografado para dentro das lentes da
câmera e as imprime sobre o filme. Pela fé, as características morais de Cristo
são conduzidas e impressas sobre a mente e o coração de quem O está
constantemente contemplando em amor. “Mas todos nós, com cara descoberta,
refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em
glória, na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor” (2 Coríntios 3:18).
Em um devocional clássico, Hannah W. Smith escreveu:
Sua ideia de fé, eu suponho, tem sido algo
assim. Você tem olhado para ela de certa maneira como uma espécie de coisa -
como o exercício religioso da alma ou uma disposição graciosa e interna do
coração; algo tangível, de fato, a qual, quando você tiver segurança nela, você
possa olhar e alegrar-se, e usá-la como passaporte para o favor de Deus, ou
como uma moeda com a qual adquire as dádivas divinas. E você tem orado por fé,
esperando o tempo todo obter algo assim; e não tendo recebido tal coisa, você
tem insistido nisto de que não tem fé.
Agora a fé, de fato, é no mínimo assim. Não
se trata de algo tangível. Ela é simplesmente crer em Deus; e como a visão, ela
não é nada separada do seu objeto. Você pode também fechar os seus olhos e
olhar para dentro, e veja se você tem a visão, como que olhando para dentro
para descobrir se você tem fé. Você vê algo e então sabe que tem a visão; você
crê em algo e então sabe que tem fé. Pois, como a visão é simplesmente ver,
assim a fé é apenas crer. E assim como a única coisa necessária na visão é que
você veja o objeto como ele é, assim a única coisa necessária sobre o crer é
que você creia em algo como ele é. A virtude não repousa em sua crença, mas
naquilo em que você crê. Se você crê na verdade, você está salvo; se você crê
na mentira, você está perdido. O ato de crer em ambos os casos é o mesmo; as
coisas em que se crê são exatamente o oposto, e isto é o que faz a grande
diferença. Sua salvação vem, não porque a tua fé te salva, mas porque ela te
liga com o Salvador que salva: e sua crença nada mais é do que este elo.
(Hannah
W. Smith. The Christians Secret of Happy
Life. New York: Revell, 1888, pág. 75,76)
II. Três Elementos da Fé
Assim como arrependimento, a fé está relacionada com as três
funções da mente humana, que são o intelecto, a sensibilidade e a vontade.
Intelecto é a habilidade do homem de pensar; sensibilidade a habilidade de
sentir; vontade a habilidade de escolher. Em relação ao intelecto, a fé é crer.
Em relação à sensibilidade, a fé é convicção. Em relação à vontade, a fé é a
confiança.
1. Crer. Crer é a fé relacionada ao intelecto do homem. A crença reconhece
a veracidade de certos fatos. O conhecimento é essencial para o crer. É
impossível para alguém ter fé sem conhecer o que crê. Para ter fé deve-se
compreender aquilo em que acredita. A fé não é meramente olhar; ela é enxergar.
O homem crê em Cristo somente depois que ele O conhece. Alguém pode andar com
Cristo na escuridão somente depois que tenha se assentado a Seus pés e
aprendido com Ele. Os quatro F’s da vida do Cristão são: fatos, fé, sentimento
(no inglês, feeling) e frutos. Fatos e fé são requisitos; sentimentos e frutos
são resultados. “De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus”
(Romanos 10:17). Alguns homens fecham suas Bíblias e oram pedindo fé. Eles
deveriam abrir suas Bíblias e permitir que Deus lhes dê a fé na medida em que
meditam sobre Sua Palavra.
A fé intelectual, apenas, é incompleta. A crença deve produzir
convicção, confiança e entrega. Se alguém tem uma grave enfermidade e crê que
certo especialista pode curá-lo, ele estará exercendo a fé intelectual. No
entanto, apenas a sua fé intelectual no especialista não curaria a sua
enfermidade. Somente depois que o paciente vai ao especialista pessoalmente e
se entrega em suas mãos, é que ele pode ser curado. A fé apenas intelectual é
morta. “Tu crês que há um só Deus? Fazes bem; também os demônios o creem e
estremecem” (Tiago 2:19). A fé genuinamente viva inclui a convicção e a
confiança, assim como o crer.
2. Convicção. A convicção é a fé quando relacionada ao sentimento ou
sensibilidade do homem. A convicção reconhece as verdades e promessas do
evangelho como sendo aplicáveis às necessidades imediatas de seu próprio coração.
A crença deve ser um reconhecimento objetivo e desinteressado da verdade; a
convicção é uma aplicação subjetiva e pessoal dessa verdade para o indivíduo. O
crente não apenas acredita que Deus responde a oração, mas ele também tem a
convicção em Deus de que Ele responderá a sua
oração. Ele não somente sabe que Jesus morreu para que os pecados pudessem ser
perdoados, mas tem a certeza que Jesus morreu por ele e é apto para perdoar os seus pecados. O cristão não somente crê
que as promessas da ressurreição para a imortalidade são verdadeiras, mas
também tem a convicção que Cristo o ressuscitará dos mortos para a imortalidade
quando Ele vier. O crente tem completa certeza de Deus e de Cristo. Não somente
crê que o que Deus disse é verdade, mas também tem a certeza em Deus que
qualquer coisa que Ele possa dizer seria a verdadeiro.
3. Confiança. A confiança é a fé quando relacionada à vontade do homem. A
confiança é a verdadeira essência e o elemento que coroa a fé. É descansar de
forma completa e inquestionável sobre o outro. Sem a confiança, a crença e a
convicção não constituem uma fé que salva. Confiança inclui a crença e a
certeza, mas a crença e a convicção podem ser exercidas sem a confiança. Muitos
convertidos se tornam “apóstatas” porque sua fé estava limitada ao intelecto e
emoções. “Porém o que foi semeado em pedregais é o que ouve a palavra e logo a
recebe com alegria; mas não tem raiz em si mesmo; antes, é de pouca duração; e,
chegada a angústia e a perseguição por causa da palavra, logo se ofende”
(Mateus 13:20,21). A conversão incompleta resulta quando o homem tem
conhecimento sobre Cristo e a Bíblia, mas não entrega sua vida a Cristo e
confia n’Ele.
A confiança inclui dois pensamentos primários: entrega e
apropriação. Como entrega, a confiança é o doar-se a Cristo, o Senhor. Como
apropriação, a confiança é o receber a Cristo, o Sacrifício, em sua vida. Dessa
forma, uma união vital é estabelecida entre o crente e Cristo.
Entrega. Na conversão, o pecador reconhece Jesus como seu Senhor. Ele
reconhece a autoridade de Cristo e permite que Ele se torne a influência
dominante em sua vida. A entrega marca a abdicação do eu. Constitui uma
declaração de dependência do Senhor; é um voto de fidelidade eterna a Ele. O
homem é feito de tal maneira que estará incompleto até que se entregue ao
senhorio de nosso Salvador. Uma vez que Jesus é perfeito amor, ninguém precisa
ter medo de entregar a sua vida em Suas mãos.
Jesus tem o direito de ser nosso Senhor porque Ele morreu como
nosso Sacrifício. Ele nos comprou por um preço. Nós não somos de nós mesmos,
nós pertencemos a Ele (1 Coríntios 6:20; 7:23). A principal palavra grega
traduzida como “Senhor” é kurios, que
significa aquele que tem autoridade e senhorio porque ele é o dono. Jesus é
descrito como Senhor por aproximadamente mil vezes no Novo Testamento. Ele
disse: “Vós me chamais Mestre e Senhor e dizeis bem, porque eu o sou” (João
13:13).
A fé salvadora reivindica a Jesus como Senhor pessoal. “Crê no
Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa” (Atos 16:31). “Se, com tua
boca, confessares ao Senhor Jesus e, em teu coração, creres que Deus o
ressuscitou dos mortos, serás salvo” (Romanos 10:9). “E, sendo ele consumado,
veio a ser a causa de eterna salvação para todos os que lhe obedecem” (Hebreus
5:9). Saulo de Tarso perguntou: “Senhor, que queres que faça?” (Atos 9:6). O
centro da vida de Saulo foi mudado do eu para Cristo. Ele se rendeu à
autoridade de Cristo, e a partir de então viveu como Seu servo. Saulo, o
pecador, se tornou Paulo, o apóstolo. Ele disse: “Já estou crucificado com
Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na
carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou e se entregou a si mesmo
por mim” (Gálatas 2:20).
A entrega, portanto, é a submissão do crente, consagração,
comissão e condescendência do eu ao senhorio de Cristo. É um ato realizado uma
só vez e para sempre na conversão. Sua realidade é constantemente reconhecida e
reafirmada a cada dia.
Faça
do Seu jeito, Senhor! Faça do Seu jeito!
Tu és o Oleiro,
eu sou o barro.
Molda-me e me
faça de acordo com Tua vontade,
Enquanto eu
espero submisso e calmo.
Adelaide
A. Pollard, 1906
Apropriação. Na conversão, o pecador reconhece a Jesus como seu Sacrifício,
Substituto e Salvador. Pela confiança em Cristo, o crente atinge e aceita as
dádivas da salvação de Deus. Ele identifica a si mesmo como alguém por quem
Jesus morreu. Desse modo, ele reclama como seus todos os benefícios espirituais
efetivados pelo sacrifício de Cristo. O que Deus tem prometido, ele aceita como
um fato. Ele reconhece que ele próprio foi perdoado, justificado, reconciliado,
redimido, santificado, recebedor da novidade de vida e adotado. Ele reconhece a
verdade de que entrou em Cristo e que Cristo entrou nele. Ele sabe que tem uma
nova posição legal e um relacionamento vital com Deus através de Cristo.
Confiança é um ato intencional. Ela envolve a função da vontade do
homem. É um ato preciso através do qual o pecador remove todas as barreiras
entre ele e Cristo, abre a porta do coração e permite que Cristo entre e faça
morada permanente. A confiança em Cristo está descrita como vir a Ele (Mateus
11:28-30; João 6:35,37), como recebê-Lo, como fugir para Ele como refúgio e
lançando mão d’Ele (Hebreus 6:18), como o faminto e sedento, e como comendo e
bebendo (Isaías 55:1; Mateus 5:6; João 4:14; 6:51-58; 7:37). Nosso Senhor
convida: “Venha a mim” (João 7:37). O crente pecador responde: “Senhor, eu
vou”.
Assim
como sou, sem nenhuma desculpa,
Mas
Teu sangue foi derramado por mim,
E como Tu me pediste que fosse até
Ti,
Ó Cordeiro de Deus, eu vou, eu vou!
Charlotte
Elliot, 1836
III. Fé e Conversão
A fé salvadora é um ato da vontade que conecta o pecador com Deus
através de Cristo. Por meio do sacrifício de Cristo, Deus removeu a barreira
criada pelo pecado do homem em relação à santidade e justiça de Deus. Mediante
a fé, o pecador remove a barreira entre ele e Deus, a qual foi criada pela
indisposição do homem em aceitar o amor de Deus. A fé abre a porta e permite
que Cristo entre como Senhor e Salvador. As lágrimas de fé derrubam a barreira,
removem o bloqueio e permitem que a gloriosa graça de Deus flua no coração do
pecador. Por decisão voluntária e pessoal da vontade, o pecador identifica a si
mesmo com Cristo e se apropria dos benefícios da Sua obra salvadora.
IV. Fé e Vida Cristã
Na conversão, a fé é um ato definitivo da vontade pelo qual o
pecador se rende a Cristo para a eternidade. Na sequência da vida cristã, a fé
é um ato contínuo e uma atitude constante pela qual o crente mantém sua relação
redentora com Cristo. Na conversão a fé é um ato; nos anos que se sucederem na
vida cristã, a fé é um ato contínuo e uma atitude constante. Como um ato na
conversão, fé é firmar intencionalmente os olhos do coração sobre Cristo, como
Senhor e Salvador. Como uma atitude, do princípio ao fim da vida cristã, a fé é
um olhar constante e uma ininterrupta contemplação do coração dirigida a Cristo
por meio do amor.
Nosso Senhor expressou dois pensamentos paralelos: “Mas a Deus
tudo é possível” (Mateus 19:26) e “Tudo é possível ao que crê” (Marcos 9:23).
Em certo sentido, a fé é a mão que move a mão de Deus. Tudo é possível pela fé
porque a fé torna possível a obra de Deus na vida do crente. A fé provê o canal
pelo qual as bênçãos do evangelho podem fluir do coração de Deus para o coração
dos pecadores.
Fé está associada com a salvação: Marcos 16:16; Atos 16:31;
Romanos 1:16; 10: 9,10; Efésios 2:8; 2 Timóteo 3:15. A fé está associada com a
oração: Mateus 21:22; Marcos 11:24; João 15:7; Tiago 5:15; 1 João 5:14,15.
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