Capítulo LIX
Justificação
A justificação é uma das doutrinas mais importantes da Teologia
Sistemática. A justificação pela fé foi um dos mais importantes ensinos de
Paulo e uma doutrina distintiva da Reforma Protestante. Um entendimento
apropriado dessa doutrina é essencial para um conhecimento adequado do
significado da salvação.
O perdão e a justificação divina são doutrinas relacionadas. Como
Soberano, Deus perdoa; como Juiz, Ele justifica. O perdão é uma subtração; a
justificação é uma adição. O perdão remove a roupa imunda do pecado; a
justificação veste o manto da justiça. De certa maneira, a justificação inclui
o perdão. Quem está justificado foi perdoado.
I. Definição de Justificação
A justificação é um ato judicial de Deus, no
qual Ele declara, com base na justiça de Jesus Cristo, que todas as
reivindicações da lei com relação ao pecador estão satisfeitas (Berkhof, Op.
Cit., pág. 513).
Por justificação, nós referimos ao ato
judicial de Deus em que, por causa de Cristo, a quem o pecador está unido pela
fé, Ele declara que o pecador não seja mais exposto à pena da lei, mas que seja
restaurado ao favor de Deus. A justificação é a inversão da atitude de Deus
para com o pecador, por causa da nova relação do pecador com Cristo. Deus
condenou; Ele agora inocenta. Ele repeliu; Ele agora admite em favor (Strong,
Op. Cit., pág. 849).
O cenário é a suprema corte do universo. O pecador, por seu
próprio mérito, se coloca diante de seu santo Juiz como um criminoso condenado,
culpado de pecado e digno de destruição. A natureza santa de Deus exige que Ele
condene e puna o pecador.
Como um ato de graça, porém, Deus ordenou uma suspensão da
execução da pena do pecado, a morte eterna. Atualmente, portanto, os pecadores
não caem mortos no momento em que pecam. A execução da pena do pecado foi
postergada até a segunda morte de modo que os pecadores tenham a oportunidade
de aceitar o plano de salvação de Deus. Sem a graça de Deus, toda a raça humana
teria sido destruída. Através de infinito amor, Deus providenciou Seu Filho sem
pecado e perfeito, Jesus Cristo, para que se tornasse o Substituto do pecador.
Como Substituto do pecador, Cristo satisfez perfeitamente todas as exigências
da lei. Ele obedeceu aos preceitos da lei e sofreu a pena da lei. Isso Ele fez,
não por Si, mas pelos pecadores. “Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado
por nós; para que, nEle, fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21). O
pecado do crente é imputado a Cristo, e a justiça de Cristo é imputada ao
crente.
Quando os crentes arrependidos recebem a Jesus como seu
Substituto, eles se tornam vitalmente unidos a Ele. Eles entram em Cristo e
Cristo entra neles. A obra salvadora que Cristo realizou por eles é realmente
aplicada a eles. Em consequência desta relação vital com Cristo, Deus pode
tratar justamente o pecador como se ele houvesse feito as coisas que seu
Substituto fez por ele. O pecador é tratado como se ele mesmo tivesse obedecido
os preceitos da lei, e como se ele mesmo tivesse sofrido a pena da lei.
Tendo em vista a relação do pecador com seu Substituto, Deus
imputa a justiça de Cristo ao pecador. Com base na justiça imputada, a qual o
pecador recebe mediante a fé, Deus, como Juiz, declara que o pecador é justo
perante a lei. Ele está justificado; ele está sem condenação.
II. Natureza da Justificação
Justificação, como uma doutrina da salvação, significa declarar
que alguém é justo ou reto. Não significa fazer justiça. Reto e justo, justiça
e retidão, e justificação e declarar justiça são sinônimos.
1. Declarar Justo. Justificação é um ato judicial de Deus, o Juiz. É um ato legal no
qual Ele declara que a justiça foi satisfeita em relação ao pecador que é
justificado. Quando Deus declara que os crentes são justos, Ele não declara que
o pecador não é um pecador, que o ímpio seja piedoso, que o mau seja bom e que
o impuro seja santo. Isso seria contrário ao fato. A justificação, como uma
doutrina de salvação, não se refere à natureza interior do crente; ela designa
sua relação com a demanda da justiça.
O fato de que justificar significa declarar justo fica evidente no
exame dos textos no qual a palavra “justificar” é usada. Nos versos seguintes,
justificar significa declarar justo. Êxodo 23:7; Deuteronômio 25:1; Jó 32:2;
Salmos 51:4; Provérbios 17:15; Isaías 5:23; Mateus 11:19; Lucas 7:29; 10:29;
16:15; Romanos 3:4; Gálatas 2:16; 5:4. Nessas escrituras que representam os
homens como justificados, Deus mostra que a justificação é uma declaração, não
uma transformação. Deus já é justo; os homens não podem fazê-Lo mais justo do
que Ele é. Para justificar, Deus deve declarar que Ele é justo.
2. Oposto de Condenação. Justificação é o oposto de condenação. Condenar é pronunciar
culpado; justificar é pronunciar não culpado. Ambos, a condenação e a
justificação são atos realizados por um juiz. São termos legais, judiciais. É
um juiz que condena; é um juiz que justifica. Nem a condenação ou a
justificação referem-se à mudança interna do homem em si. Ambos são atos
externos ao homem. “Quando houver contenda entre alguns, e vierem a juízo para
que os juízes os julguem, ao justo justificarão e ao injusto condenarão”
(Deuteronômio 25:1). Quando o juiz condena o ímpio, ele não muda a condição
interna do homem de ser bom para ser ruim. Ele já é ímpio por natureza; o juiz
simplesmente revela sua culpa em relação à justiça. Da mesma forma, quando o
juiz justifica o justo, ele não produz uma mudança interna no homem declarando-o
justo. Condenar não significa fazer o homem ímpio; justificar não significa
fazer o interior bom.
3. Não a Transformação Interior
do Crente. A justificação não deve ser
confundida com a transformação interior do crente. A justificação envolve uma
mudança na posição legal diante de Deus; a transformação envolve uma mudança no
caráter e na conduta do crente. A justificação resulta do que Cristo fez por nós; transformação resulta do que
Cristo faz em nós. A justificação
resulta quando o crente entra em Cristo; a transformação começa quando Cristo
entra no crente. Na justificação, a justiça de Cristo é imputada a nós; é algo
externo. Na transformação, a justiça de Cristo é concedida a nós; é algo
interno; é o fruto do Espírito. Justificação é um ato; transformação é um
processo. A justificação toma lugar de uma só vez na conversão; a transformação
é um processo progressivo que continua no decorrer da vida.
Na justificação, Deus declara que o crente é justo em relação à
lei porque a justiça de Cristo foi imputada ao crente. Na transformação, Cristo
vive no crente através do Seu Espírito e gradualmente muda a vida do crente
para que ele realmente seja justo. A justiça, que é a base da justificação, é a
justiça de Cristo imputada; aquela que resulta da transformação do crente é a
justiça de Cristo concedida. O fruto do Espírito é a justiça de Cristo
concedida.
A justificação não é a salvação plena. É somente um elemento ou
parte dela. Apenas a justificação seria incompleta. A salvação inclui a mudança
interior do pecador bem como sua posição legal diante de Deus.
III. Origem da Justificação
A graça de Deus é a origem da justificação. Os pecadores são
justificados pela graça. Tudo o que foi escrito a respeito da graça de Deus
como origem e fonte da salvação poderia ser repetido em relação à justificação.
A justificação é uma dádiva de Deus; ela se origina dentro do Seu coração. Nós
merecemos condenação e destruição; Deus nos dá justificação e vida eterna. Os
crentes justificados não têm motivo para orgulho ou vanglória.
Romanos 3:24 Justificados
gratuitamente pela sua graça
Tito 3:7 Justificados
pela sua graça
Romanos 5:15-21 Graça,
dom gratuito
Romanos 4:4,5 Graça,
não obras
Gálatas 5:4 Se
é pela lei, da graça tendes caído
Embora a esposa do Cordeiro se apronte, suas vestes de justiça
para o casamento foram dadas a ela. “E foi-lhe dado que se vestisse de linho
fino, puro e resplandecente; porque o linho fino são as justiças dos santos”
(Apocalipse 19:8).
IV. Bases da Justificação
A justificação, como todas as doutrinas da salvação, tem origem na
graça de Deus, está baseada sobre o sacrifício de Cristo e é condicionada à fé
do homem. A justiça perfeita de Cristo e Sua morte sacrificial constituem a
base meritória para a justificação. “O homem é condenado pelo que ele é e pelo
que ele faz; ele é justificado pelo que Cristo fez”.
A justificação deve ser baseada na justiça. Um homem não pode ser
declarado justo a não ser que a justiça seja atribuída a ele. “Deus não
justificará sem justiça, nem sem uma justiça que honre a Sua lei e coloque sua
autoridade no ponto mais alto do universo” (Dr. Richards, citado por Henry B.
Smith, Op. Cit., pág. 528)
1. Não as Obras do Pecador. As obras realizadas pelo pecador não podem ser a base para a
justificação. A salvação não pode ser mérito do homem. A bondade natural do
homem não possui mérito aos olhos de Deus. “Todas as nossas justiças são como
trapo da imundícia” (Isaías 64:6). A justiça produzida pelo eu ou pela carne é
presunção e obra da carne. Todos os homens são pecadores e tudo no homem é
pecaminoso. O homem não pode salvar-se. Os homens não podem ser justificados
pelas obras da lei. A lei foi dada para definir e revelar o pecado. Tinha a
intenção de mostrar aos homens sua necessidade de um Salvador.
Romanos 3:20 Não
serão justificados pelas obras da lei
Romanos 3:21 Justiça
de Deus sem a lei
Romanos 3:27 Por
qual lei? Das obras? Não
Romanos 3:28 Sem
as obras da lei
Romanos 3:31 Anulamos
pois a lei?
Romanos 4:2 Abraão
não foi justificado pelas obras
Romanos 4:4 Galardão
não segundo a graça
Romanos 4:5 Aquele
que não pratica
Romanos 4:6,7 Justiça
sem as obras
Romanos 4:9-12 Abraão
justificado antes das obras
Romanos 4:13-15 Promessa
não pela lei
Romanos 4:16 Promessa
pela fé segundo a graça
Romanos 9:11 Não
por causa das obras
Romanos 9:30-32 Israel
buscava não pela fé
Romanos 10:3 Estabelecer
a sua própria justiça
Romanos 10:4 Fim
da lei para a justiça
Gálatas 2:16 Não
é justificado pelas obras da lei
Gálatas 2:21 Se
é pela lei, Cristo morreu em vão
Gálatas 3:10 Obras
da lei debaixo de maldição
Gálatas 3:11 Pela
lei ninguém será justificado
Gálatas 3:12 A
lei não é da fé
Gálatas 3:13 Resgatados
da maldição da lei
Gálatas 3:17-25 A
lei nos conduziu a Cristo
Gálatas 5:4 Da
graça tendes caído
Efésios 2:8-10 Não
vem das obras, para que ninguém se glorie
Filipenses 3:9 Não tendo a minha justiça
Colossenses 2:14-17 Cédula
cravada na cruz
2 Timóteo 1:9 Não segundo as nossas obras
Tito 3:5,7 Não
pelas obras que tivéssemos feito
2. O Sacrifício de Cristo. A justificação tem sua base na justiça de Cristo imputada ao
crente. É através do sacrifício de Cristo. “Sendo justificados gratuitamente
pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus, ao qual Deus propôs para
propiciação pela fé no seu sangue” (Romanos 3:24,25). “Logo, muito mais agora,
sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira” (Romanos
5:9).
Romanos 3:22 Sobre
todos os que creem
Romanos 4:3,5,6,9,22,24 Imputado
a ele como justiça
Romanos 5:17-21 Pela
justiça de um só, Jesus Cristo
Romanos 8:1 Nenhuma
condenação em Cristo
Romanos 10:3 Submetido
à justiça
Romanos 10:4 Fim
da lei para justiça
Romanos 10:10 Crê
para justiça
1 Coríntios 1:30 Para
nós, foi feito justiça
2 Coríntios 5:21 Nele,
fomos feitos justiça de Deus
Filipenses 3:9 Justiça que vem de Deus pela fé
V. Imputação da Justiça de Cristo
A imputação é a transferência para a responsabilidade de alguém
com uma base justa por um procedimento legal. Imputar é computar, contabilizar,
creditar, colocar na conta de alguém. Paulo escreveu a Filemom sobre Onésimo:
“E, se te fez algum dano ou te deve alguma coisa, põe isso na minha conta”
(Filemom 18). A declaração de Deus sobre a justiça do crente tem sua base na
justiça de Cristo imputada para o crente. Os pecados dos crentes são imputados
a Cristo; a justiça de Cristo é imputada ao crente (2 Coríntios 5:21). A
justiça imputada ao pecador na justificação não é o atributo de justiça de
Deus. Nem é o caráter perfeito e imaculado de Cristo, porque a santidade
pessoal não pode ser transferida. A justiça imputada é aquela mantida em
relação à lei.
A imputação da justiça de Cristo se torna possível pela relação
vital do pecador com Cristo. O crente está em Cristo, e Cristo está no crente.
Assim, a união é estabelecida e mantida. Sem esta união entre o pecador e o
Substituto, a imputação da justiça de Cristo seria impossível.
O pecado de Adão foi imputado a nós porque somos um com Adão.
Nossos pecados são imputados a Cristo porque Cristo é um com a humanidade. A
justiça de Cristo é imputada a nós porque nós somos um com Cristo (Strong).
VI. Causa Instrumental da Justificação
A justificação se torna possível pela sua aceitação pelo pecador
mediante a fé. A fé é a condição que o homem deve preencher antes que possa ser
justificado. Os pecadores são justificados pela fé. A fé do pecador, contudo,
não é em si o mérito de justificação. Sua fé não é a base ou o alicerce para a
justificação; o sacrifício de Cristo é a base para a justificação. A fé é o
exercício do coração do pecador pelo qual ele aceita o dom de justificação de
Deus. A fé é a condição ou a causa instrumental da justificação. A fé justifica
porque ela nos liga ao Cristo que justifica.
Atos 13:39 Todo
o que crê é justificado
Romanos 3:22 Sobre
todos os que creem
Romanos 3:26 Daquele
que tem fé em Jesus
Romanos 3:28 Justificado
pela fé
Romanos 3:30 Justifica
pela fé
Romanos 4:3 Creu
Abraão em Deus
Romanos 4:5 Não
pratica, porém crê
Romanos 4:11 Todos
os que creem
Romanos 4:16 É pela
fé
Romanos 4:24 Deus
creditará justiça a nós, que cremos (NVI)
Romanos 5:1 Justificado
pela fé
Romanos 10:4 De todo
o que crê
Romanos 10:10 Com o
coração se crê
Gálatas 2:16 Justificado
pela fé
Gálatas 3:6-9 Imputado
como justiça
Filipenses 3:9 Mas a que vem pela fé
Habacuque 2:4 O
justo, pela sua fé, viverá
Romanos 1:17 O justo
viverá da fé
Gálatas 3:11 O
justo viverá da fé
Hebreus 10:38 O justo
viverá da fé
VII. Tempo da justificação
Justificação é um ato, não um processo. Não existem graus de
justificação. Ninguém cresce em ser justificado; não é progressivo. Uma pessoa
que é justificada não está mais justificada que qualquer outra pessoa que está
justificada. Uma pessoa é também justificada ou não. A justificação ocorre na
conversão. O crente é declarado justificado pelo Juiz do universo quando ele
entra em Cristo. Isso é algo que ocorre uma única vez. Nesse sentido, é
diferente da transformação do crente que é gradual, progressiva e continua ao
longo da vida.
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