quinta-feira, 29 de junho de 2017

Capítulo LV - Fé

Capítulo LV


A fé é o reconhecimento de realidades invisíveis. É a confiança no testemunho e fidelidade de alguém. A fé é a resposta do homem ao atributo divino da verdade. Alguém pode crer em Deus porque Ele é confiável; alguém pode ter fé porque Deus é fiel; alguém pode contar com Deus porque Ele é fidedigno; alguém pode acreditar em Deus porque Ele é verdade.


I. Crendo e Vendo

A fé não é dependente da visão física. Ela reconhece a existência de realidades que não podem ser vistas. “Porque andamos por fé e não por vista” (2 Coríntios 5:7). A fé é “a prova das coisas que se não veem” (Hebreus 11:1). “Não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas” (2 Coríntios 4:18). Jesus disse: “Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram!” (João 20:29). “Ao qual, não o havendo visto, amais; no qual, não o vendo agora, mas crendo, vos alegrais com gozo inefável e glorioso” (1Pedro 1:8).

                       “É melhor andar no escuro com Deus
                       Do que andar sozinho na luz;
                       É melhor andar com Ele pela fé
                       Do que andar sozinho por vista.”

                                               Autor desconhecido

Embora a Bíblia coloque fé e vista em contraste, ela também usa a visão como uma ilustração de fé. Um sinônimo bíblico para crendo é olhando. Os homens dizem: “ver é crer”; e a Bíblia diz: “crer é ver”. Sobre Moisés está escrito: “Pela fé, deixou o Egito, não temendo a ira do rei; porque ficou firme, como vendo o invisível” (Hebreus 11:27). Crer em Deus é olhar firmemente para Ele em amor. Deus disse: “Olhai para mim e sereis salvos, vós, todos os termos da terra” (Isaías 45:22). Miquéias declarou: “Eu, porém, olharei para o Senhor” (Miquéias 7:7 RA). Isaías escreveu: “Tu conservarás em paz aquele cuja mente está firme em ti; porque ele confia em ti” (Isaías 26:3). A fé é o constante contemplar do coração de Deus em amor.

A serpente de metal no deserto (Números 21:5-9) é uma figura de Cristo na cruz. “E, como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado; para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3:14,15). As serpentes representam pecado e morte. O poste tipifica a cruz. A serpente de metal figura Cristo que carregou nossos pecados. Olhar para a serpente de metal tipificava o pecador olhando em fé para o Cordeiro de Deus crucificado. Crer é ver.

O escritor de Hebreus desafia os crentes a olharem para Jesus para ter fé n’Ele: “Portanto nós também, pois que estamos rodeados de uma tão grande nuvem de testemunhas, deixemos todo embaraço, e o pecado que tão de perto nos rodeia, e corramos com paciência a carreira que nos está proposta, olhando para Jesus, autor e consumador da fé, o qual pelo gozo que lhe estava proposto suportou a cruz, desprezando a afronta, e assentou-se à destra do trono de Deus” (Hebreus 12:1,2). Olhando para Jesus é crer n’Ele.

Crer em Cristo não é um simples vislumbre ou uma simples percepção intelectual dos fatos sobre Ele. Crer n’Ele envolve fixar a mente em Cristo de forma intencional e definitiva. Em fotografia, os raios de luz conduzem as delimitações do objeto que está sendo fotografado para dentro das lentes da câmera e as imprime sobre o filme. Pela fé, as características morais de Cristo são conduzidas e impressas sobre a mente e o coração de quem O está constantemente contemplando em amor. “Mas todos nós, com cara descoberta, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória, na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor” (2 Coríntios 3:18).

Em um devocional clássico, Hannah W. Smith escreveu:

Sua ideia de fé, eu suponho, tem sido algo assim. Você tem olhado para ela de certa maneira como uma espécie de coisa - como o exercício religioso da alma ou uma disposição graciosa e interna do coração; algo tangível, de fato, a qual, quando você tiver segurança nela, você possa olhar e alegrar-se, e usá-la como passaporte para o favor de Deus, ou como uma moeda com a qual adquire as dádivas divinas. E você tem orado por fé, esperando o tempo todo obter algo assim; e não tendo recebido tal coisa, você tem insistido nisto de que não tem fé.

Agora a fé, de fato, é no mínimo assim. Não se trata de algo tangível. Ela é simplesmente crer em Deus; e como a visão, ela não é nada separada do seu objeto. Você pode também fechar os seus olhos e olhar para dentro, e veja se você tem a visão, como que olhando para dentro para descobrir se você tem fé. Você vê algo e então sabe que tem a visão; você crê em algo e então sabe que tem fé. Pois, como a visão é simplesmente ver, assim a fé é apenas crer. E assim como a única coisa necessária na visão é que você veja o objeto como ele é, assim a única coisa necessária sobre o crer é que você creia em algo como ele é. A virtude não repousa em sua crença, mas naquilo em que você crê. Se você crê na verdade, você está salvo; se você crê na mentira, você está perdido. O ato de crer em ambos os casos é o mesmo; as coisas em que se crê são exatamente o oposto, e isto é o que faz a grande diferença. Sua salvação vem, não porque a tua fé te salva, mas porque ela te liga com o Salvador que salva: e sua crença nada mais é do que este elo.
(Hannah W. Smith. The Christians Secret of Happy Life. New York: Revell, 1888, pág. 75,76)


II. Três Elementos da Fé

Assim como arrependimento, a fé está relacionada com as três funções da mente humana, que são o intelecto, a sensibilidade e a vontade. Intelecto é a habilidade do homem de pensar; sensibilidade a habilidade de sentir; vontade a habilidade de escolher. Em relação ao intelecto, a fé é crer. Em relação à sensibilidade, a fé é convicção. Em relação à vontade, a fé é a confiança.

1. Crer. Crer é a fé relacionada ao intelecto do homem. A crença reconhece a veracidade de certos fatos. O conhecimento é essencial para o crer. É impossível para alguém ter fé sem conhecer o que crê. Para ter fé deve-se compreender aquilo em que acredita. A fé não é meramente olhar; ela é enxergar. O homem crê em Cristo somente depois que ele O conhece. Alguém pode andar com Cristo na escuridão somente depois que tenha se assentado a Seus pés e aprendido com Ele. Os quatro F’s da vida do Cristão são: fatos, fé, sentimento (no inglês, feeling) e frutos. Fatos e fé são requisitos; sentimentos e frutos são resultados. “De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus” (Romanos 10:17). Alguns homens fecham suas Bíblias e oram pedindo fé. Eles deveriam abrir suas Bíblias e permitir que Deus lhes dê a fé na medida em que meditam sobre Sua Palavra.

A fé intelectual, apenas, é incompleta. A crença deve produzir convicção, confiança e entrega. Se alguém tem uma grave enfermidade e crê que certo especialista pode curá-lo, ele estará exercendo a fé intelectual. No entanto, apenas a sua fé intelectual no especialista não curaria a sua enfermidade. Somente depois que o paciente vai ao especialista pessoalmente e se entrega em suas mãos, é que ele pode ser curado. A fé apenas intelectual é morta. “Tu crês que há um só Deus? Fazes bem; também os demônios o creem e estremecem” (Tiago 2:19). A fé genuinamente viva inclui a convicção e a confiança, assim como o crer.

2. Convicção. A convicção é a fé quando relacionada ao sentimento ou sensibilidade do homem. A convicção reconhece as verdades e promessas do evangelho como sendo aplicáveis às necessidades imediatas de seu próprio coração. A crença deve ser um reconhecimento objetivo e desinteressado da verdade; a convicção é uma aplicação subjetiva e pessoal dessa verdade para o indivíduo. O crente não apenas acredita que Deus responde a oração, mas ele também tem a convicção em Deus de que Ele responderá a sua oração. Ele não somente sabe que Jesus morreu para que os pecados pudessem ser perdoados, mas tem a certeza que Jesus morreu por ele e é apto para perdoar os seus pecados. O cristão não somente crê que as promessas da ressurreição para a imortalidade são verdadeiras, mas também tem a convicção que Cristo o ressuscitará dos mortos para a imortalidade quando Ele vier. O crente tem completa certeza de Deus e de Cristo. Não somente crê que o que Deus disse é verdade, mas também tem a certeza em Deus que qualquer coisa que Ele possa dizer seria a verdadeiro.

3. Confiança. A confiança é a fé quando relacionada à vontade do homem. A confiança é a verdadeira essência e o elemento que coroa a fé. É descansar de forma completa e inquestionável sobre o outro. Sem a confiança, a crença e a convicção não constituem uma fé que salva. Confiança inclui a crença e a certeza, mas a crença e a convicção podem ser exercidas sem a confiança. Muitos convertidos se tornam “apóstatas” porque sua fé estava limitada ao intelecto e emoções. “Porém o que foi semeado em pedregais é o que ouve a palavra e logo a recebe com alegria; mas não tem raiz em si mesmo; antes, é de pouca duração; e, chegada a angústia e a perseguição por causa da palavra, logo se ofende” (Mateus 13:20,21). A conversão incompleta resulta quando o homem tem conhecimento sobre Cristo e a Bíblia, mas não entrega sua vida a Cristo e confia n’Ele.

A confiança inclui dois pensamentos primários: entrega e apropriação. Como entrega, a confiança é o doar-se a Cristo, o Senhor. Como apropriação, a confiança é o receber a Cristo, o Sacrifício, em sua vida. Dessa forma, uma união vital é estabelecida entre o crente e Cristo.

Entrega. Na conversão, o pecador reconhece Jesus como seu Senhor. Ele reconhece a autoridade de Cristo e permite que Ele se torne a influência dominante em sua vida. A entrega marca a abdicação do eu. Constitui uma declaração de dependência do Senhor; é um voto de fidelidade eterna a Ele. O homem é feito de tal maneira que estará incompleto até que se entregue ao senhorio de nosso Salvador. Uma vez que Jesus é perfeito amor, ninguém precisa ter medo de entregar a sua vida em Suas mãos.

Jesus tem o direito de ser nosso Senhor porque Ele morreu como nosso Sacrifício. Ele nos comprou por um preço. Nós não somos de nós mesmos, nós pertencemos a Ele (1 Coríntios 6:20; 7:23). A principal palavra grega traduzida como “Senhor” é kurios, que significa aquele que tem autoridade e senhorio porque ele é o dono. Jesus é descrito como Senhor por aproximadamente mil vezes no Novo Testamento. Ele disse: “Vós me chamais Mestre e Senhor e dizeis bem, porque eu o sou” (João 13:13).

A fé salvadora reivindica a Jesus como Senhor pessoal. “Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa” (Atos 16:31). “Se, com tua boca, confessares ao Senhor Jesus e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo” (Romanos 10:9). “E, sendo ele consumado, veio a ser a causa de eterna salvação para todos os que lhe obedecem” (Hebreus 5:9). Saulo de Tarso perguntou: “Senhor, que queres que faça?” (Atos 9:6). O centro da vida de Saulo foi mudado do eu para Cristo. Ele se rendeu à autoridade de Cristo, e a partir de então viveu como Seu servo. Saulo, o pecador, se tornou Paulo, o apóstolo. Ele disse: “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou e se entregou a si mesmo por mim” (Gálatas 2:20).

A entrega, portanto, é a submissão do crente, consagração, comissão e condescendência do eu ao senhorio de Cristo. É um ato realizado uma só vez e para sempre na conversão. Sua realidade é constantemente reconhecida e reafirmada a cada dia.

            Faça do Seu jeito, Senhor! Faça do Seu jeito!
            Tu és o Oleiro, eu sou o barro.
            Molda-me e me faça de acordo com Tua vontade,
            Enquanto eu espero submisso e calmo.
                                               Adelaide A. Pollard, 1906

Apropriação. Na conversão, o pecador reconhece a Jesus como seu Sacrifício, Substituto e Salvador. Pela confiança em Cristo, o crente atinge e aceita as dádivas da salvação de Deus. Ele identifica a si mesmo como alguém por quem Jesus morreu. Desse modo, ele reclama como seus todos os benefícios espirituais efetivados pelo sacrifício de Cristo. O que Deus tem prometido, ele aceita como um fato. Ele reconhece que ele próprio foi perdoado, justificado, reconciliado, redimido, santificado, recebedor da novidade de vida e adotado. Ele reconhece a verdade de que entrou em Cristo e que Cristo entrou nele. Ele sabe que tem uma nova posição legal e um relacionamento vital com Deus através de Cristo.

Confiança é um ato intencional. Ela envolve a função da vontade do homem. É um ato preciso através do qual o pecador remove todas as barreiras entre ele e Cristo, abre a porta do coração e permite que Cristo entre e faça morada permanente. A confiança em Cristo está descrita como vir a Ele (Mateus 11:28-30; João 6:35,37), como recebê-Lo, como fugir para Ele como refúgio e lançando mão d’Ele (Hebreus 6:18), como o faminto e sedento, e como comendo e bebendo (Isaías 55:1; Mateus 5:6; João 4:14; 6:51-58; 7:37). Nosso Senhor convida: “Venha a mim” (João 7:37). O crente pecador responde: “Senhor, eu vou”.

                       Assim como sou, sem nenhuma desculpa,
                       Mas Teu sangue foi derramado por mim,
                        E como Tu me pediste que fosse até Ti,
                       Ó Cordeiro de Deus, eu vou, eu vou!
                                               Charlotte Elliot, 1836


III. Fé e Conversão

A fé salvadora é um ato da vontade que conecta o pecador com Deus através de Cristo. Por meio do sacrifício de Cristo, Deus removeu a barreira criada pelo pecado do homem em relação à santidade e justiça de Deus. Mediante a fé, o pecador remove a barreira entre ele e Deus, a qual foi criada pela indisposição do homem em aceitar o amor de Deus. A fé abre a porta e permite que Cristo entre como Senhor e Salvador. As lágrimas de fé derrubam a barreira, removem o bloqueio e permitem que a gloriosa graça de Deus flua no coração do pecador. Por decisão voluntária e pessoal da vontade, o pecador identifica a si mesmo com Cristo e se apropria dos benefícios da Sua obra salvadora.


IV. Fé e Vida Cristã

Na conversão, a fé é um ato definitivo da vontade pelo qual o pecador se rende a Cristo para a eternidade. Na sequência da vida cristã, a fé é um ato contínuo e uma atitude constante pela qual o crente mantém sua relação redentora com Cristo. Na conversão a fé é um ato; nos anos que se sucederem na vida cristã, a fé é um ato contínuo e uma atitude constante. Como um ato na conversão, fé é firmar intencionalmente os olhos do coração sobre Cristo, como Senhor e Salvador. Como uma atitude, do princípio ao fim da vida cristã, a fé é um olhar constante e uma ininterrupta contemplação do coração dirigida a Cristo por meio do amor.

Nosso Senhor expressou dois pensamentos paralelos: “Mas a Deus tudo é possível” (Mateus 19:26) e “Tudo é possível ao que crê” (Marcos 9:23). Em certo sentido, a fé é a mão que move a mão de Deus. Tudo é possível pela fé porque a fé torna possível a obra de Deus na vida do crente. A fé provê o canal pelo qual as bênçãos do evangelho podem fluir do coração de Deus para o coração dos pecadores.

Fé está associada com a salvação: Marcos 16:16; Atos 16:31; Romanos 1:16; 10: 9,10; Efésios 2:8; 2 Timóteo 3:15. A fé está associada com a oração: Mateus 21:22; Marcos 11:24; João 15:7; Tiago 5:15; 1 João 5:14,15.

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